sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Procuro uma palavra que seja macia, quente, com um cheiro de canela bem fraco. Mas que também não seja doce feito paixão, nem lisa feito a seda como o amor, que ao mesmo tempo não seja aspera feito a mágoa, nem muito menos exale o mesmo cheiro suado de desejo.


Procuro uma palavra que seja suave como o que eu tenho guardado em mim, como o que eu sinto e que quase já não existe. (E que penso não ter deixado de existir justo por ser assim tão suave.)

Suspeito que este sentimento que não tem nome tenha sido mais esperto do que eu, e criou esta forma de imunizar-se só para continuar existindo. Não me incomodando, não me fazendo sequer suspirar, me poupando suor, desgaste e trabalho em acumular os anticorpos que eu tentaria criar,certamente. Mas é tão breve, tão calmo, tão perdido no tempo que quase não sinto. Não sei dizer se é dolorido, acho que não. Simplesmente é, simplesmente está, e não faz nada mais que vá além disso.

Este sentimento é como um cão feroz sem os dentes. Não oferece risco, nem vontade descontrolada, nem surto, nem saudade, nem vontade de aparecer na sua casa para te olhar. Não, este sentimento não me oferece nada, e por isto não sei como oferecê-lo. Dá-lo a quem? Escrevê-lo como?

Pra começar, se eu fosse te escrever haveria de estar nua. Então tudo está muito errado pois pra te escrever eu precisaria tirar as minhas roupas devagar, sem alarde, como num ritual. Passaria lápis nos olhos e removeria o esmalte vermelho da minha unha sem utilizar acetona, que é pra não misturar os cheiros. Eu não passaria perfume, não pegaria sol, teria de estar branca e trasparente como você preferia as minhas unhas. Deixaria crescer o cabelo e o prenderia no alto da cabeça, deixando mostrar a curva do meu pescoço, que ao contrário do meu corpo, é quente.

Acho que este seria o ponto crucial, a nuca. Para começar a te escrever eu teria que começar pela nuca. Pelo ar de canela suave da sua boca soprando sonhos na minha nuca, e pelos sonhos percorrendo os pêlos loiros que são visíveis apenas quando estão eriçados até chegar aos meus ouvidos. Para te escrever, eu precisaria lembrar dos sonhos que você soprava e se condensavam na minha cabeça em formato de nuvem, e que depois choviam para o meu corpo inteiro como uma garoa fina.

Para te escrever eu precisaria materializar os pingos finos e frios que corriam pela pele até o meu calcanhar, deixando, deste modo, visíveis os pêlos. Para te escrever eu teria que estar com o corpo deitado e apoiar os dois pés no vão entre o seu ombro e o seu pescoço, teria que deixar você lamber o meu dedão e morder os meus ossos da costela mesmo que me doesse, sem reclamar.

Precisaria me revirar na lama, estar suja, sem orgulho, sem pudor, sem maquiagem. Pra te escrever eu necessitaria abrir mão de comida por uns dois dias, e me sentir faminta, impura, selvagem, tão pobre até isto me incomodar o espírito. Só assim eu saberia o que te dizer, só assim eu saberia o que há de mais íntimo em mim, tão encrustado que nem eu sei aonde encontrar. Não consigo remexer, nem jogar fora.

Mas isto me custaria tanto! Seria tão trabalhoso lapidar e esculpir todas as mentiras que foram criadas para chegar ... aonde?

E se eu chegasse a uma verdade incontestável? E se eu morresse de tédio com o resultado? E se eu soubesse nomear, o que eu faria? E se eu te dissesse, em que mudaria? E se por algum motivo eu mudasse? Estou preguiçosa. E todo este trabalho, para mim, vale menos do que a minha preguiça. Procurava no início deste texto uma palavra, mas já não quero mais encontrá-la. Esqueça tudo, deixe pra lá. Não estou disposta, deixa estar.

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